UMA REFORMA MAL EXPLICADA
Um dos objectivos da anunciada reforma na estrutura da Defesa, cujas orientações constam da Resolução do Conselho de Ministros n.º 39, de 7 Fevereiro 2008, é, usando palavras do ministro da Defesa Nacional, "reforçar a capacidade de resposta operacional das Forças Armadas ao novo ambiente estratégico". Este objectivo pressupõe, como é óbvio, que a capacidade actual é considerada insuficiente. Se a iniciativa se referisse a meios para dar às nossas forças a mobilidade e prontidão que o actual ambiente de segurança exige e que, nos seus actuais termos, não permitem a Portugal observar a meta recomendada pela NATO (40% das forças devem ter condições de emprego no exterior), o assunto ficava esclarecido. Mas não é disso que se trata: o que a prevista reforma prevê para essa área é a criação de um novo comando operacional conjunto e o reforço das competências operacionais do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA). Fica, no entanto, por perceber de que más experiências de actividade operacional no passado decorre essa necessidade. Não vejo o que possa ser referido no que respeita à actividade interna, que está limitada ao emprego em missões de interesse público; nem sequer imagino que se queira envolver pessoalmente o responsável máximo pela estrutura militar da Defesa na fiscalização da pesca e busca e salvamento ou tarefas similares de rotina, que, sem razões de queixa, têm, desde sempre, permanecido ao nível dos comandos operacionais dos ramos. Situações como a da traineira Luz do Sameiro [cujo naufrágio, a 29 de Dezembro de 2006 e a poucas dezenas de metros de uma praia próxima da Nazaré, causou a morte de cinco pescadores] ou outras idênticas, como ficou provado, não tiveram absolutamente nada a ver com deficiências na estrutura de comando operacional das Forças Armadas.Não vejo, também, como o assunto se possa aplicar a intervenções no exterior; só em caso de intervenção autónoma, fora do quadro da NATO ou da União Europeia, é que as forças se mantêm sob comando nacional. Porém, este tipo de situação, depois do 25 de Abril, só aconteceu uma vez com dimensão e importância política justificativa de envolvimento pessoal do CEMGFA (Guiné, Verão de 1998) e não gerou qualquer recomendação de um novo órgão de comando militar. Noutros contextos, o procedimento estabelecido implica transferir o comando das forças para a autoridade internacional responsável, ficando para o CEMGFA o papel de acompanhamento do seu emprego, para salvaguardar as condições em que foi feita a atribuição. O apoio logístico é uma tarefa que ninguém defende dever sair das mãos dos chefes de estado-maior dos ramos.É natural, por isso, a perplexidade com que vários sectores encaram a decisão de despender recursos na criação de um novo órgão de comando operacional que não vem preencher qualquer lacuna ou resolver deficiências nem pode substituir os dos ramos. Se alguma vez houve dificuldade ou menor rapidez na tomada de decisão do emprego de forças, uma das razões invocadas, nunca esse problema se situou na estrutura militar da Defesa.O outro "cerne desta reforma", continuando a usar as palavras do ministro da Defesa Nacional, "é o reforço dos poderes do CEMGFA" com autoridade para harmonizar os projectos orçamentais e de reequipamento dos ramos. Convinha explicar o que significa, na prática, este novo tipo de autoridade e sobretudo clarificar porque pretende o Governo abdicar da responsabilidade de assumir o diálogo que lhe cabe ter com os chefes dos ramos, que são os que detêm o conhecimento especializado dos diversos assuntos, sobre as prioridades a observar e o modo prático de as encarar, deixando essa tarefa, contra o que é habitual na maioria dos países, ao CEMGFA.