quinta-feira, 19 de maio de 2022
quarta-feira, 18 de maio de 2022
Circulo do Mar na SHIP
Oceanos
Para quem tiver interesse no próximo dia dia 20 (6ªf), pelas 17h, mais uma sessão do Circulo do Mar desta vez com o tema "Regenerar o Oceano" na qual será orador o Prof Jorge Oliveira e Carmo.
Lembro que o Jorge Oliveira e Carmo foi o premiado pela Revista de Marinha, com o "Prémio Maurício de Oliveira 2021", pelo seu artigo publicado no nº 1023 (Set / Out), sobre o mesmo tema.
A entrada é livre
Temes......
Onda do
Orlando Temes de Oliveira
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11:11 –
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quinta-feira, 12 de maio de 2022
OCEANOS
Hoje mais um OCeano a celebrar o seu 78/o aniversário. Refiro-me ao Pires Neves. Nascido a 12 de Maio de 1944, ingressa em 1962 na E. Naval. Uma carreira naval bem variada, com êxito; ao retirar-se do activo passou a ser um Académico da Marinha. Em jovem rapaz quando passava pelas ruas de Carcavelos, era ver-se as donzelas a suspirarem embevecidas por ele. E ainda não tinha sido uma estrela de TV como agora em que as suas intervenções são importantes.
Camarada e amigo dos OCeanos, tenhas um óptimo dia de aniversário junto com os teus e que o repitas muitas vezes com saúde e boa disposição.
Grande Abraço.
Onda do
speedy
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10:31 –
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terça-feira, 10 de maio de 2022
CORPO DE MARiNHEIROS
A 10 de Maio de 1934, é criado o “Corpo de Marinheiros “, constituindo-se as Brigadas de Artilheiros, de Marinheiros e de Macânicos.
Onda do
speedy
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09:37 –
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segunda-feira, 9 de maio de 2022
O 60º ANIVERSÁRIO DO CURSO "OLIVEIRA E CARMO"
Hoje repetiu-se, exactamente no mesmo local e com os mesmos elementos da reunião anterior, mais um encontro do grupo de OCeanos que vem pensando nas comemorações dos 60 anos do nosso ingresso na Escola Naval.
Embora a discussão e a decisão sobre alguns dos assuntos a tratar possam ser feitas por via telefónica ou digital, estas reuniões presenciais já são um bom indicador do que estará para vir lá para Setembro.
Faltam menos de quatro meses!
Onda do
A.R.Costa
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18:35 –
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Etiquetas: comemorações
AVIAÇÃO NAVAL
A 9 de Maio de 1918, realiza-se a 1/a operação de voo na base de São Jacinto. Mais tarde tomou a designação de Escola Aeronaval Alm. Gago Coutinho.
Onda do
speedy
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09:40 –
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domingo, 8 de maio de 2022
O Gâmbia
As mascotes, numa unidade militar que se encontra estacionada numa base no “fim do mundo” de um território em guerra, podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento e manutenção do espírito de unidade e na saúde mental dos seus elementos. De uma forma geral as mascotes, normalmente animais, são trazidas para dentro da unidade por um indivíduo que trata dela e com quem estabelece uma relação afectiva e de domínio. Há, no entanto, alguns desses animais que vão sendo adoptados e tratados por outros elementos e que gradualmente se vão tornando mais populares e acabam adoptadas por um grupo ou mesmo por uma unidade inteira. No nosso destacamento, o DFE 8 (Guiné 1971-73), entre os muitos animais que foram aparecendo e desaparecendo ao longo da comissão há alguns que são protagonistas de histórias que se tornaram património imaterial do pessoal que fez parte da unidade e outras que extravasaram mesmo o seu âmbito.
Figura 1 - O Gâmbia
Figura 2 - A
Francelina resiste à corte do Gâmbia
Já conhecemos o Comodoro e boa parte da sua gesta. Venho hoje recordar o Gâmbia. Não me lembro como apareceu por Ganturé, mas vamos imaginá-lo pequenino, ainda bebé e de mama, trazido por uma patrulha de botes que o teria encontrado perdido no tarrafo, ou que o teria retirado a uma mãe, descuidada e imprevidente, que não se pôs ao largo quando os botes se aproximaram do local onde o bando de macacos-cães descansava ou brincava. Acarinhado e alimentado pelo pai adoptivo, um marinheiro antigo e com muitas histórias que lhe valeram um petit-nom que não vou aqui revelar, cresceu, tornou-se um grande e forte macaco que, durante algum tempo e enquanto se portou bem, passeava livremente pelo aquartelamento e ia recebendo os mimos com que todo o pessoal o apaparicava.
Depois do leite do
crescimento começou a ganhar o gosto por outras bebidas em especial pela
cerveja e pela várias misturas com que o pessoal ia vencendo o calor, o
isolamento e a rotina. A partir de determinada altura o Gâmbia aproximava-se e
sentava-se junto de um grupo que estava a conversar e beber uns copos para
matar o tempo e a sede. Muitas vezes um dos elementos do grupo partilhava com ele
uma bebida e, quando isso não acontecia, passou a ser cena frequente ver o Gâmbia
correr entre os abrigos que serviam de alojamento com uma garrafa de cerveja numa
das mãos que ia levando à boca, enquanto era perseguido pelo fuzileiro a quem a
tinha roubado. A fim do dia, muitas vezes, possivelmente como resultado das
bebidas que fora escorrendo durante o dia, tinha comportamentos poucos
apropriados e por vezes agressivos o que fez com que passasse a estar parte do
dia amarrado a uma grossa e longa corrente. Mas, os muitos amigos que tinha
iam-lhe fazendo chegar as loiras de que tanto gostava e isso ajudava-o a
suportar a prisão.
Tinha por hábito observar
atentamente os vários trabalhos que se desenrolavam no dia a dia do quartel e
muitas vezes procurava imitar o que via fazer. Uma das pessoas que acompanhava
e observava com mais atenção era o marinheiro encarregado dos botes e do gerador.
Nunca perdia a ocasião para estar por perto quando ele ia ligar o gerador ao
pôr do sol e de madrugada quando o desligava. Aconteceu um dia que, a meio da
noite, o gerador parou quando encarregado ainda estava a dormir. Acordado,
dirige-se para junto do gerador e por mais observações que fizesse não conseguiu
perceber as causas para ele se ter desligado. Tudo estava bem, não havia
qualquer avaria visível. Experimentou ligar, desligar e tudo funcionou
perfeitamente. Mas, nos dias seguintes acontece a mesma coisa. A meio da noite
o gerador desliga-se sem qualquer explicação. O encarregado do gerador resolve
colocar o problema superiormente, suspeitando que alguém, pela calada da noite,
por brincadeira ou só para o chatear, desligasse o gerador. Resolvemos montar
vigilância por quartos e, nos dias posteriores à entrada em vigor deste sistema
de vigilância, não houve qualquer problema pelo que se decidiu acabar com os
quartos. Logo no dia seguinte … a mesma cena. A meio da noite o gerador desliga-se.
Resolvemos montar uma vigilância oculta de forma a apanhar o sabotador. E, logo
no dia seguinte, pela calada da noite, aproxima-se sorrateiramente o Gâmbia e seguindo
o procedimento determinado, em que se tinham de desligar por uma determinada sequência
três interruptores, o nosso amigo desliga o gerador e afasta-se rapidamente da
cena do crime. Descoberto o sabotador, tomaram-se as medidas necessárias para
que o Gâmbia não se conseguisse aproximar do gerador. O encarregado de gerador
sentiu-se vingado, na noite seguinte, a observar, escondido, as sucessivas
tentativas do Gâmbia para chegar junto do gerador e o seu ar desolado quando,
impotente, desistiu e se retirou.
Nas idas a Bissau o Gâmbia passeava-se
pela cidade e entrava nos cafés e bares acompanhando um ou outro grupo do
pessoal que se formava para passear e ir até uma das esplanadas dos bares ou café
onde os militares das unidades que estavam no mato e vinham passar uns dias a
Bissau bebiam umas cervejas, trincavam uns amendoins e contavam as suas
aventuras e desventuras. Todos ainda recordam o seu ar importante e snob enquanto
ia bebericando a sua cerveja, comendo os amendoins ou descascando os camarões. Ao
fim da tarde, quando regressavam ao quartel o cansaço e os efeitos da bebida
faziam-se sentir e o Gâmbia acabava por adormecer profundamente.
A partir de determinada
altura as hormonas começaram a fazer sentir os seus efeitos nos comportamentos
do nosso amigo. O facto de não haver presença feminina da mesma espécie no
aquartelamento levou a que o Gâmbia começasse a ter comportamentos que podíamos
hoje considerar, no mínimo, desviantes.
A primeira vez que isso se
verificou foi com a Francelina. A Francelina era uma cadela que adoptei, muito
pequenina ainda, nos primeiros dias da estadia em Ganturé. Foi crescendo,
mimada por toda a gente. Tinha o seu poiso junto da messe. O Gâmbia começou a
cortejar a Francelina que não lhe dava troco ou reagia ferozmente quando a
aproximação era mais descarada e atrevida. Um dia pareceu-me que ela não estava
a rejeitar com a firmeza habitual as aproximações do Gâmbia e que, pelo
contrário, parecia agradada com a corte que ele lhe estava a fazer. Quando me
apercebi deste comportamento acrescentei ao seu nome um aposto ou continuado
que me pareceu apropriado: "minha p…" (sim! Exactamente a palavra em
que estão a pensar). A cadela foi durante algum tempo "Francelina, minha
p…", mas com o correr do tempo passou a ser chamada e a responder
unicamente pelo último nome (esse mesmo!). Quem achava muita piada à cadela
Francelina e, sobretudo, ao nome abreviado a que acabou por responder eram as
lavadeiras que, sempre que entravam no aquartelamento, gritavam pelo seu nome
(esse em que estão a pensar) a que ela respondia efusivamente com correrias de
um lado para o outro e frenéticos abanares de rabo.
De passagem, para dar conta
do que aconteceu à Francelina. Cresceu e começou a acompanhar os Destacamentos
quando iam para o mato. Era disciplinada, seguia sempre no seu lugar na coluna,
não ladrava e portava-se corajosamente durante os contactos de fogo. Numa
operação com o outro Destacamento que se encontrava em Ganturé, partiu uma
perna, não recuperou e morreu algum tempo depois.
Mas a verdade é que o Gâmbia
continuou a crescer e as hormonas a manifestar-se cada vez com mais força e o
alvo seguinte em que ele concentrou as suas atenções foi, mesmo, nas
lavadeiras. Sempre que elas chegavam o Gâmbia saltava excitado, corria para
elas, tentava agarrá-las e ficava furioso e agressivo quando o repeliam. Por
mais de uma vez, com o agrado geral de todos os assistentes, conseguiu arrancar
os panos a uma delas e deixou-a em trajes menores no meio do quartel. As suas
inconveniências foram tantas que foi necessário prendê-lo a uma corrente, logo
pela manhã, nos dias em que vinham entregar a roupa. O Gâmbia reagiu mal.
Primeiro saltava, esticava a corrente e guinchava furiosamente. Depois de
alguns dias acabou por se conformar, mas passou a fazer cenas de exibicionismo
que, em qualquer lugar civilizado, levariam com certeza à intervenção das
autoridades policiais. Como por aqueles lados não havia PSP ou GNR, nós
fechávamos os olhos às suas inconveniências e as lavadeiras, sabendo bem que
natureza é natureza, riam-se a bandeiras despregadas, provocavam-no e deixavam
o Gâmbia frustrado e entregue às suas actividades solitárias, sonhando
possivelmente com as fêmeas da sua espécie que, naquela altura, estariam a
saltar alegremente nos ramos do tarrafo ali por perto.
Finalmente, não tendo tido
sorte nem com a Francelina, nem com as lavadeiras, o Gâmbia começou a tentar a
sua sorte de uma forma criativa e engenhosa. Quando andava solto aproxima-se, vagaroso
e sorrateiro, fazendo-se distraído de qualquer elemento que estivesse sentado
com as pernas cruzadas. Depois, já perto, rápido como um relâmpago, saltava
para o joelho do distraído dono das pernas cruzadas e fazia delas o imaginado
lombo de uma desejada namorada da sua espécie. Quase sempre levava um furioso
pontapé. Primeiro fazia um olhar desconsolado, mas depois rosnava furioso e
afastava-se manifestando o seu desagrado pela forma como fora tratado.
No entanto, diga-se, o Gâmbia
não ia a todos os joelhos e pernas cruzadas. Tinha os seus alvos preferidos,
gostava mais dos que usavam calções e tinham as pernas descobertas e rondava-os
com persistência. Quando o destacamento foi para Gampará, vá-se lá saber
porquê, ganhou uma especial atracção pelas pernas cruzadas do coronel,
comandante operacional, quando se sentava numa cadeira de repouso que tinha
junto da sua tenda. Durante alguns dias, apesar de preso quase todo o dia,
aproveitava o pouco tempo em que o soltavam para se aproximar, sorrateiramente,
do local onde o coronel descansava e iludindo toda a vigilância saltava-lhe
para os joelhos. Só desistiu, quando, um dia, o coronel farto do assédio sacou
do revólver e disparou alguns tiros que lhe passaram perto. Aprendeu a lição e começou a procurar pernas
cruzadas por outros lados do acantonamento.
Outra coisa de que o Gâmbia
gostava era de livros. Qualquer livro atraia-lhe a atenção. Ainda pequenito, vinha
sentar-se perto de mim no alpendre da messe em Ganturé e ficava a olhar-me
atentamente enquanto, meio deitado numa cadeira de lona, ia lendo. Quando
pousava o livro para descansar, ele aproximava-se e tentava pegar-lhe.
Inicialmente, afastava-o, mas depois de uma primeira experiência em que deixei
que lhe pusesse as mãos, mexia delicadamente no livro e, olhando-o atentamente,
chegava mesmo a folheá-lo com algum estilo.
Gostava também de me entrar
pelo gabinete e ficar por perto enquanto eu trabalhava no expediente do dia.
Quando um livro de mensagens ou um papel qualquer caia no chão apanhava-o
rapidamente e vinha entregá-lo. Um dia, daqueles dias de calor e humidade, em
que as horas não passavam e não sabíamos como gastar o tempo, entreguei-lhe uma
folha em branco e um lápis e não é que ao fim de algum tempo conseguiu mesmo
desenhar uns rabiscos.
A cumplicidade literária
que eu fui estabelecendo com o Gâmbia, infelizmente, não foi exemplo seguido e
em todos os outros locais em que o Gâmbia se aproximava de papéis ou livros era
escorraçado. Um dia, já a noite ia avançada, o Gâmbia veio deitar-se junto do
sargento de quarto ao aquartelamento. Perto do fim do seu quarto de serviço o
sargento, um militar com muitos anos de serviço, escreveu conscienciosamente o
livro de registo, truncou cuidadosamente e utilizando uma régua todas as linhas
em branco, fechou-o, levantou-se e foi fazer a sua última ronda antes de
entregar o serviço ao camarada que o vinha render. Fez, vagarosamente, a ronda
por todos os postos de sentinela, verificando se o pessoal se encontrava
acordado e atento a qualquer aproximação do inimigo e voltou calmamente para o
seu local de serviço. Ao entrar, deparou-se com o Gâmbia, sentado na cadeira e
folheando calmamente o livro de registo. Deu um berro e caminhou
ameaçadoramente em direcção ao Gâmbia. Este assustou-se, meteu o livro debaixo
do braço e fugiu saindo pela porta fora perseguido pelo sargento de quarto. Cá
fora, não tendo onde se refugiar subiu para uma árvore. Cá em baixo o sargento,
furioso, ameaçava-o com gritos que se ouviam em todo o aquartelamento.
Acordei com os primeiros
gritos e como eles não parassem, levantei-me, enrolei uma toalha à cintura,
calcei os chanatos que tinha ao lado da cama e fui ver o que se passava. Quando
cheguei ao local de onde vinham os gritos, já lá encontrei alguns marinheiros a
fazer companhia ao sargento que gritava para a copa da árvore, para onde todos
olhavam. Dirigi também para lá o meu olhar. O Gâmbia, estava encolhido entre
dois galhos, tremia de medo e parecia estar a folhear o livro. À medida que ia
chegando mais gente, enquanto o sargento ameaçava passar das palavras aos
actos, sacando da pistola e apontando-a para o local onde o Gâmbia se refugira
e cada vez mais se encolhia. Com o acumular de pessoas cá em baixo e as ameaças
que recebia, o Gâmbia enervou-se e acabou por rasgar uma das folhas do livro.
Olhou apavorado para baixo, atirou a folha ao ar e depois descontrolou-se e
começou a rasgar e atirar para o lado as outras folhas do livro. Não aguentei e
desatei a rir-me. O sargento ficou ofendidíssimo com a minha reacção e pedia-me
para tomar uma atitude dura e pusesse o Gâmbia na ordem.
Ao fim de algum tempo, o Gâmbia
fartou-se de arrancar folhas e atirou para baixo o livro subindo até ao
cocuruto da árvore onde se anichou. Creio que por lá ficou até ao dia seguinte
quando a fome apertou e ainda com medo acabou por descer e se refugiar nos
braços do marinheiro seu amigo.
O livro de registo estava
inutilizado. Tentei acalmar o sargento. Por fim, depois de lhe dizer que ia
tomar medidas contra o Gâmbia e que escrevesse uma ocorrência para eu despachar
e mandar abrir um novo livro de registo de quartos lá acalmou e nós pudemos ir
todos acabar o sono interrompido.
Em Gampará um dia em que o mesmo
coronel, o dos joelhos com que engraçara, andava a fazer uma ronda pelo
aquartelamento, o Gâmbia esgueirou-se sem ninguém o ver para dentro da sua
tenda, sentou-se à secretária e pôs-se a consultar a correspondência que se
encontrava sobre ela. Quando o coronel regressou à tenda e o surpreendeu, o Gâmbia
assustou-se com a sua reacção agressiva e violenta reprimenda, lançou para o ar
os papéis que tinha na mão, atirou com tudo o que estava sobre a secretária
para o chão e fugiu a toda a velocidade, perseguido pelos tiros de revólver com
que mais uma vez o coronel o mimoseou. Devo esclarecer que pelas duas vezes que
o coronel alvejou o Gâmbia não o atingiu por falta de pontaria, mas porque só o
queria assustar. Pelo contrário, tinha uma excelente pontaria e acertava sempre
onde queria.
Em Vila Cacheu a liberdade
de que o Gâmbia gozava nos aquartelamentos que ficavam afastados de qualquer
povoação ficou muito limitada. O Gâmbia passava agora a maior parte do tempo
preso a uma longa e forte corrente de ferro que lhe limitava o seu raio de
acção. Passava muito do tempo caminhando para um e outro lado até aos limites
que a corrente lhe permitia, via-se bem que andava aborrecido e deprimido.
Possivelmente também tinha menos acesso a bebidas alcoólicas já que só podia
consumir aquilo que lhe traziam e não podia correr por todo o aquartelamento e
consumir o que amigavelmente lhe ofereciam ou o que conseguia roubar quando
apanhava alguém distraído. A sua distracção passou a ser, a partir de
determinada altura, a brincadeira, que se tornou quase diária, com um grupo de
miúdos que passavam pelo quartel para brincar e o dasafiar. Os miúdos
aproximavam-se ameaçando com paus e atirando pedras, o Gâmbia ia recuando até
não ter outra solução senão contra-atacar. Os miúdos fugiam a toda a velocidade
e o Gâmbia perseguia-os acabando por ser parado com um violento esticão
provocado pelo limite do comprimento da corrente. Os miúdos aproximavam-se
novamente e a cena repetia-se por mais algumas vezes até os miúdos se cansarem
e procurarem outra diversão. O Gâmbia deitava-se a um canto e, cansado, adormecia
durante algumas horas.
Um dia a corrente rebentou
e o Gâmbia perseguiu os miúdos rua acima uma boa centena de metros. A refrega
foi dura e nos confrontos o Gâmbia acabou atingido por uma pedrada num os
olhos. Apesar de carinhosamente tratado pelo enfermeiro ficou cego desse olho.
Alguns, entre os quais eu próprio, passaram a chamá-lo por "Camões",
mas o nome parece não ter pegado. Por falta de cultura literária ou por outras
razões que desconheço, o novo nome com que pretendíamos crismá-lo, não pegou e a
maior parte do pessoal continuou a chamar-lhe Gâmbia e ele também virava as
costas, ignorante e desdenhoso, quando o chamávamos pelo nome do imortal poeta.
Mas a repetição diária das
correrias dos miúdos e do Gâmbia, mais algumas quebras da corrente que levaram
o alvoroço a outras ruas de Vila Cacheu foram perturbando cada vez mais a paz
social da urbe e, embora a medo e com muito cuidado, o próprio administrador
tentou chamar-me a atenção para os inconvenientes dos comportamentos do Gâmbia.
Um dia, mais uma vez, a corrente rebentou e, nas correrias e perseguições que
se seguiram, um grupo de miúdos acabou por se refugiar no mercado local e o Gâmbia
entrou por ele dentro em sua perseguição. Os miúdos esconderam-se por trás das
bancas das peixeiras que, apavoradas com o ar agressivo do Gâmbia, fugiram. No
meio da confusão criada e, possivelmente, já sem controlo qualquer sobre suas
acções o Gâmbia subiu para as bancas e começou a usar como arma de arremesso os
peixes que ia encontrando à mão. A confusão demorou algum tempo a ser resolvida
porque nem os marinheiros que acorreram ao mercado conseguiam deitar a mão ao Gâmbia.
Finalmente ao fim de aturados esforços conseguiram agarrá-lo, prendê-lo e
fazê-lo regressar ao quartel.
Pouco depois, a sala onde
me encontrava, foi invadida por um barulhento grupo de peixeiras do mercado que
reclamavam com grande veemência pelos prejuízos causados pelo Gâmbia, não só
nas estruturas do mercado, mas também pelos peixes que tinham ficado estragados
e que não iam conseguir vender. Ao fim de algum tempo a tentar acalmá-las e a
procurar encontrar uma solução acabei por ser salvo pelo cabo do rancho, que
com elas mantinha uma excelente relação e que acabou por encontrar uma solução
aceite por ambas as partes. Mas, se a solução encontrada foi boa para as
peixeiras, veio a fazer ricochete nos nossos estômagos que tiveram que
processar peixe, aos almoços e jantares de uma série de dias seguidos. Pouco
depois é o Administrador que me procura reclamando pela confusão causada no
mercado e, mais tarde, até o chefe de posto da PIDE me apareceu pelo
aquartelamento oferecendo-me os seus bons ofícios para pôr na ordem o
indisciplinado e subversivo Gâmbia.
Mas a verdade é que o Gâmbia
fora longe demais e a situação a que tínhamos chegado não podia continuar.
Embora me custasse, porque gostava dele e, de qualquer forma, até achava piada
às suas tropelias diárias que eram uma forma de alegrar um pouco os nossos dias
e quebrar as rotinas, acabei por mandar que um bote o fosse largar na outra
margem do rio Cacheu onde sabia que vivia uma grande colónia de macacos da
mesma espécie. Senti pena quando o bote largou e desejei que ele acabasse por
se integrar numa nova comunidade, pudesse sobreviver e deixar descendência.
Nunca mais soube dele, mas continua vivo nas memórias dos que com ele
conviveram naquela época das suas vidas.
Falta falar numa memória
que, apesar de quase superada, acaba por ser difícil e incómoda para os seus
intervenientes, mas que mostra também que as relações pessoais e a disciplina
numa guerra têm de ser encaradas de forma flexível e diferente das do corriqueiro
dia a dia.
O maior amigo do Gâmbia
encontrava-se de patrulha no rio durante os acontecimentos que acabei de
relatar. Quando, à chegada, não encontrou o Gâmbia e soube o que tinha
acontecido pegou num bote e procurou desesperadamente encontrá-lo na margem do
rio onde tinha sido largado. No fim das suas buscas sem sucesso regressou ao
aquartelamento triste e deprimido. Refugiou-se no seu canto e solitário foi bebendo
para tentar superar a perda do amigo. Já a noite ia adiantada, quando, talvez influenciado
pelo cansaço da patrulha e os efeitos de algum excesso da bebida, agarrou na
arma e dirigiu-se ao local onde se encontravam os oficiais do destacamento a
passar a noite à espera de irem para a cama. Alguns camaradas aperceberam-se da
situação e tentaram interceptá-lo na subida das escadas. Ao barulho e troca de
palavras que ouvimos vindo das escadas, sucede a abertura violenta da porta que
dava acesso ao local onde estávamos e a entrada intempestiva desse camarada,
com a arma na mão e visivelmente transtornado. Depois de uma primeira surpresa
que nos deixou sentados nas cadeiras onde descansávamos, o oficial, chefe do
grupo de combate a que o marinheiro pertencia, levantou-se e pediu-lhe para ele
lhe entregar a arma. Foi o que ele fez e, logo de seguida, saiu acompanhado
pelos camaradas que o procuravam acalmar.
Era uma situação difícil, a
que muitos tinham assistido e susceptível de criar problemas do ponto de vista
disciplinar numa unidade militar. Mas também havia aspectos de natureza humana a
ter em conta, era compreensível o desgosto do camarada pela perda que
representava o afastamento do Gâmbia e até a sua tentativa de fuga e
esquecimento bebendo para além do que seria aconselhável. E um Destacamento de
Fuzileiros Especiais não era um navio pintado de cinzento em que todas as manhãs
se faz a baldeação, como uma vez retorqui a uma camarada que me chamava a
atenção para uma entrada a bordo mais desorganizada e indisciplinada do pessoal.
Por isso, logo na manhã seguinte, dei instruções ao Imediato para, sem falar no
sucedido na noite anterior, o nomear meu guarda-costas para as operações
seguintes.
Já passaram quase 50 anos.
Por vezes quando nos encontramos falamos nisto. Compreensivelmente, ainda há
mágoas que perdurarão até ao fim dos nossos dias. Em jeito de brincadeira ele
vai-me dizendo que, para não ter tentações, nas operações em que foi meu
guarda-costas, ia sempre sem munições para o mato, com os carregadores vazios.
Eu rio-me e tento não acreditar, mas … , realmente, aqueles tempos foram
difíceis e deixaram-nos muitas marcas na memória e no corpo.
Onda do
Ferreira da Silva
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17:48 –
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sábado, 7 de maio de 2022
OCEANOS
Mais um OCeano a celebrar o seu aniversário. Desta vez é o Ferreira da Silva, nascido em 7 de Maio de 1944. Ingressa na E. Naval em 1962, no OC. Na sua juventude foi um grande rival do famoso Américo, guarda-redes do FCP, mas um acidente num jogo obrigou-o a desistir do futebol. Franco, leal, tornou-se num Camarada exemplar. Na Guiné, Cte. do DFE8, àparte a sua actividade operacional, notabilizou-se por ter um quadrúpede comodoro no seu destacamento. Eram curiosas as suas conversas depois do jantar, com o seu superior hierárquico em Bigene, dois homens completamente opostos mas que se respeitavam. A certa altura muda de agulha e torna-se um mestre na arte de ensinar. Ainda embarcou no S.Miguel e preparou a sua última missão que não ocorreu tão bem pois foi enganado pelo Exército.
Que tenhas um feliz dia de aniversário e que o possas repetir muitas vezes com saúde e boa disposição.
Um grande Abraço.
Onda do
speedy
@
10:04 –
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quinta-feira, 5 de maio de 2022
TERMOS NAVAIS ANTIGOS
Ajular: arribar, sotaventear.
Alabaçar: aplicar um pedaço de madeira sobre outra onde se note enfraquecimento ou início de podridão.
Alcáçova: era no castelo de popa, uma construção que se erguia sobre a tolda.
Alcanzia: panela de barrocos pólvora ou outros materiais inflamáveis que, em batalha, se lançavam contra o inimigo.
Algarves: nome que se davam aos remadores das galeotas reais por serem, na maioria naturais do Algarve.
Alivadoira: embarcação empregada na carga e descarga de navios.
Almogamas: as últimas balizas com chão de caverna que limitavam o fundo do navio tanto a vante como a ré.
Aloeste: ao oeste, ao ocidente.
Alongado: distante, longínquo.
Onda do
speedy
@
11:38 –
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quarta-feira, 4 de maio de 2022
Curso "Com. Oliveira e Carmo"
Convidam-se os camaradas OCeanos que não o façam regularmente, a consultar os seus e-mails recebidos sobre assunto relacionado com a comemoração do 60º aniversário da nossa entrada para a EN.
Onda do
José Cruz
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12:44 –
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SAGRES-OCEANOS
4 de Maio de 1964, a Sagres com o curso dos OCeanos, embarcado larga para o mar para a primeira etapa da nossa viagem de instrução.
Onda do
speedy
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terça-feira, 3 de maio de 2022
OCEANOS
Hoje é dia grande para o OCeano Camilo Alves, o João Vasco, nascido em 3 de Maio de 1942, atingindo hoje uns 80 anitos. O João Vasco na E. Naval era um “pisco” a comer, comia “tão pouco” que o Antunes se preocupou com o que ele comia. No entanto era um regalo vê-lo a comer na Portugália. Os criados vinham assistir ao repasto, ele era uns ovos cozidos, uns croquetes, e depois um bife com ovo a cavalo. Só por vergonha não comia mais. Camarada e Amigo, sempre bem disposto e com humor, mantinha a alegria entre os que o rodeavam.
Que tenhas um óptimo dia de aniversário junto com os teus e que o repitas muitas vezes com saúde e a boa disposição que sempre tens evidenciado.
Um grande Abraço.
Onda do
speedy
@
12:49 –
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segunda-feira, 2 de maio de 2022
ÁLVARES CABRAL
A 2 de Maio de 1500, Álvares Cabral larga da baía que se passou a chamar de “Cabrália “, em Porto Seguro com destino à Índia. Rafael Neves regressa, com a sua caravela, a Lisboa com a notícia do achamento do Brasil.
Onda do
speedy
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10:23 –
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sexta-feira, 29 de abril de 2022
O 60º ANIVERSÁRIO DO CURSO “OLIVEIRA E CARMO”
Onda do
A.R.Costa
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quinta-feira, 28 de abril de 2022
As abelhas na Guiné
Recebida a seguinte colaboração:
"Meus caros
Alguns dos comentários ao artigo em causa (Abelhas de 22Abr22) contêm refrências ao ataque de um avião da FAP aos destacamentos de fuzileiros 8 e 10, respectivamente do 1º Ten Alpoim Calvão e 1º Ten Faria Roncon , de que eram imediatos o 2º Ten Malhão Pereira e o 2º Ten. Castanho Paes respectivamente. A operação , de nome de código Túlipa, ocorreu entre 7 e 9 de Julho de 1964, foi a 1ª operação em que interveio o DFE 10 e nela participou igualmente o DFE 9 do 1º Ten. Metelo de Nápoles e de que era imediato o 2º Ten Oliveira Monteiro. O episdódio ocorreu no dia 8 quando o DFE 8 e o DFE 10 estavam em Campeane e tanto num como no outro houve mortos e feridos , no DFE 10 foram mortos 1 sargent e 1 praça e feridos 21 elementos ( 1 oficial, 2 sargentos e 18 praças)
A acção da FAP decorreu do pedido de apoio de um dos destacamentos que foi atacado por um grupo inimigo instalado entre os dois grupos dos fuzileiros
A minha chegada ao DFE 10 ocorreu bastante depois deste acidente e tudo o que sei dele resultou não só das muitas conversas tidas com o pessoal, como do facto de ter sido eu quem elaborou grande parte dos processos e bem assim da consulta do relatório da operação.
Nunca ouvi, nem li , qualquer referência ao pessoal do destacamento ter sido atacado por abelhas.
Abraço do E. Gomes"
Onda do
Curso OC
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15:05 –
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