Tratado de Lisboa pode esperar

A primeira via passará pela repetição do referendo irlandês sem promover qualquer alteração ao Tratado de Lisboa. Será a solução mais fácil e mais cómoda para a UE; não se afigura, todavia, muito viável pelo ambiente político existente e também porque teria dois graves inconvenientes: acentuaria a desigualdade entre os Estados-Membros da UE porquanto idêntica repetição não foi imposta à França e à Holanda quando ambas recusaram a Constituição europeia; e desqualificaria definitivamente o instituto do referendo em matérias europeias, dado que faria passar a ideia de que tais referendos só seriam válidos se dessem um determinado resultado.
O segundo caminho possível passará pela abertura de negociações com a República da Irlanda visando obter alterações ao Tratado de Lisboa por forma a que o Tratado que possa voltar a ser sujeito a referendo naquele país seja materialmente diferente do que já foi referendado. Tratar-se-á, porém, de uma solução de difícil concretização – o Tratado foi o mínimo denominador comum a que chegaram os Estados-Membros da UE, para o qual todos tiveram de fazer cedências. Reabrir as negociações em benefício de um único Estado poderá equivaler a abrir uma caixa de Pandora donde não se sabe o que poderá sair, havendo a possibilidade de desconstruir equilíbrios alcançados. Acresce que, se o Tratado for – ainda que ligeiramente – alterado, que acontecerá às ratificações já promovidas em 18 Estados Membros? As mesmas teriam incidido sobre um Tratado que já não existia, que teria sido alterado. A lógica jurídica mandaria repetir tais ratificações.
O terceiro e mais radical caminho passará pela assunção da «morte jurídica» do Tratado de Lisboa, por falta de verificação de uma condição indispensável à sua produção de efeitos jurídicos: a ratificação por todos os Estados signatários – com reabertura de uma nova CIG visando rever e alterar os Tratados em vigor. Tratar-se-á, obviamente, de uma solução extrema e radical que equivalerá a mais uma perda de tempo irrecuperável por parte da UE que daria mostras de permanecer refém de si própria e dos seus Estados-Membros, enredada em questões institucionais e de repartição de poder enquanto «lá fora» o Mundo passa por ela a correr, e ela se mostraria incapaz de dar resposta às questões com que esse mesmo Mundo a interpela de forma cada vez mais intensa.
Ao contrário de qualquer um dos caminhos citados, o último Conselho Europeu, sem o assumir claramente, parece ter optado por «decretar» uma nova pausa para reflexão, à semelhança do que ocorreu após os referendos francês e holandês, a par, da continuação dos processos de ratificação por parte dos Estados Membros que ainda não ratificaram o Tratado. Em boa verdade não se terá tratado de uma solução para o problema em questão mas de um adiamento de uma solução. A finalidade, porém, percebe-se: isolar politicamente a República da Irlanda por forma a que se chegue a um momento em que apenas falte a ratificação dos irlandeses, eventualmente em vista da repetição do referendo. Acresce, todavia, uma dificuldade eventual suplementar: não está dito nem escrito que outros Estados não possam querer aproveitar o sucedido na República da Irlanda para travar os seus próprios processos de ratificação interna e com isso questionar definitivamente o Tratado de Lisboa. À esquerda e à direita não faltaria quem rejubilasse com tal cenário. Está por demonstrar, todavia, que fosse essa a melhor solução para o projecto europeu
J.P.Simões Dias
Será publicado em 24.06.08(amanhã) no semanário "O Diabo)
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