sábado, 12 de fevereiro de 2022

Operação “OSTRA”

 As relações dos Destacamentos de Fuzileiros que se encontravam em Ganturé com as LFG’s (Lancha de Fiscalização Grande) que faziam missões de patrulha no Cacheu, para além do apoio e cooperação operacionais inerentes às missões que lhes estavam atribuídas, permitiam que também vivêssemos momentos de grande camaradagem e cordialidade. As guarnições das lanchas e os fuzileiros conviviam com frequência, faziam-se jogos de futebol e organizavam-se grupos que partilhavam almoços e jantares com as iguarias que se conseguiam arranjar e, por vezes, caçar por aqueles lados.

Um dia, num daqueles almoços na câmara de uma LFG que se prolongavam pela tarde dentro, vieram à conversa as ostras que se comiam em Bissau e de que já todos sentíamos saudades. Aventou-se a possibilidade de na próxima vinda do navio para o Cacheu trazer um carregamento de ostras, mas logo alguém lembrou que da foz do rio Armada para baixo o tarrafo estava já carregado de ostras e que não era difícil ir lá apanhá-las. O Comandante da LFG que, por acaso, era um grande apreciador de ostras e outras iguarias (alguém me contou que, às vezes, em Bissau havia um movimento de passa-palavra que levava alguns amigos a forçar a passagem, primeiro curiosa e depois espantada, pela frente da esplanada de um restaurante perto da Amura famoso pelas suas ostras, só para ver a quantidade de baldes cheios de cascas que jaziam ao lado da mesa em que se sentava este camarada) sugeriu, imediatamente, a possibilidade de aproveitarmos alguma folga que se conseguisse encontrar no meio da actividade operacional programada para irmos todos, a LFG, as LDM  e os fuzileiros, até à foz do rio Armada, onde poderíamos colher ostras e fazer a bordo uma refeição com a comunidade naval daquela zona toda junta.

A ideia foi imediata e entusiasticamente aceite e começou logo a ser afinada. No dia seguinte cortaram-se e soldaram-se alguns bidons para servirem de assadores e começamos a planear e redigir uma ordem de operações com a designação de "Operação Ostra" que determinava que todas as forças navais estacionadas na região executariam uma acção conjunta de patrulhamento ofensivo no Rio Cacheu, desde Ganturé até à foz do rio Armada onde estacionariam durante algumas horas, prosseguindo depois a patrulha do rio em sentido inverso.

No dia aprazado, logo pela manhã partiram as LDM´s acompanhadas por alguns botes com o objectivo de atingirem a foz do Armada na maré baixa, onde os fuzileiros fariam uma batida nas margens, em especial as que tivessem tarrafo mais denso, procurando encontrar nas suas raízes as insidiosas e maliciosas ostras que aí se tentavam camuflar. As raízes com as ostras maiores e mais saudáveis deveriam ser cortadas e levadas para as LDM´s onde um outro grupo se encarregaria de as destacar das raízes e colocá-las em lugar seguro. A LFG e alguns botes partiram um pouco mais tarde levando a cabo o patrulhamento do rio, com especial atenção para as clareiras e foz dos afluentes da margem Sul, atingindo o rio Armada perto do meio-dia.

Quando a LFG chegou e fundeou, escoltada por alguns botes e transportando a bordo todo o pessoal restante, trazia já na tolda os grelhadores bem guarnecidos de brasas. As LDM's e os botes atracaram por ambos os bordos da LFG e o pessoal foi-se espalhando e conversando enquanto alguns especialistas se iam entretendo em passar as ostras pelo calor das brasas que, depois de abertas, iam sendo recolhidas individualmente pelo pessoal das filas que se iam formando junto de cada um dos grelhadores. A tarefa de abrir, inspeccionar e deglutir ostras acompanhadas com a cerveja ou o vinho que iam saindo fresquinhos das frigoríficas prolongou-se pela tarde.

Quando o sol começou a baixar a força naval voltou a organizar-se para subir em comboio o rio Cacheu. Por vezes este comboio tornou-se bastante barulhento, sobretudo na entrada das clareiras para onde os botes faziam algumas rajadas de MG42 acompanhando as Boffors da LFG, não fosse o PAIGC resolver estragar-nos o dia e a digestão.

Não nos esquecemos dos camaradas que, por dever de ofício, foram obrigados a permanecer na base e a bordo vinham ainda muitas ostras que compensaram o seu sacrifício pelo bem comum.

 

LFG – Lancha de Fiscalização Grande

LDM – Lancha de Desembarque Média


2 comentários:

O speedy disse...

Mais uma estória brilhantemente narrada pelo F. Silva. Assim se mantinha o moral dos nossos marinheiros.

O Luís Silva Nunes disse...

Outra boa contribuição para conhecer melhor o que foi a guerra. Continua!