sábado, 13 de março de 2021

OCEANOS

 Mais um aniversariante OCeanno, desta vez trata-se do Fuzeta da Ponte, nascido a 13 de Março de 1944. Jovial, sempre com uma resposta pronta com humor. Não posso deixar de testemunhar o que se dizia no EMGFA, meses depois de assumir o cargo de Adido em Washington; agora é que temos um verdadeiro Adido, ouvi isto muitas vezes me SMO de oficiais generais de Exército. Eu próprio notei a diferença para muito melhor.

Que tenhas um óptimo dia junto com os teus e que o possas repetir muitas vezes com saúde e boa disposição.

Um grande Abraço.  

sexta-feira, 12 de março de 2021

A Marinha na Guiné

 

"Na dura guerra que, entre 1963 e 1974, as Forças Armadas portuguesas travaram na Guiné contra as forças do PAIGC, as unidades navais portuguesas tiveram sempre um domínio absoluto sobre as inúmeras vias fluviais que percorrem aquele território e, nessa actividade operacional, destacaram-se especialmente as Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG)."

Começa assim o muito interessante artigo, da autoria do OCeano Rodrigues da Costa, recentemente publicado na Revista de Marinha com o título "As navegações nos rios da Guiné, uma náutica especial em tempo de guerra". Para o lerem podem seguir esta ligação

Felicitações ao autor.

D. MANUEL I

 Foi a 12 de Março de 1512 que chega a Roma a embaixada enviada pelo rei D. Manuel I ao Papa Leão X. A embaixada fio um cortejo opulente com ouro, especiarias e animais exóticos como onças, rinoceronte e elefantes.

quinta-feira, 11 de março de 2021

Assunto: Anglicismos...

 Não resisto a transcrever aqui um artigo que me chegou via correio electrónico, de autor anónimo e que prendeu a minha atenção, pelo desprezo a que está a ser sujeita a nossa língua materna por parte de quem mais a devia respeitar e defender, nós, portugueses.

É um pouco extenso mas creio que vale a pena ler:

“(...) Pense no que está no seu top of mind. Se tem ou não tem a drive. Nesse mindset. Estará na cloud? O importante é estar sempre on. Viu o mail? Foi ao chat? Recebeu o briefing. Fez o debriefing. Teve atenção ao target e ao benchmark. Fez o brainstorm com vista ao break-even. O problema é o budget. Mas pense no ROI. Não tem business plan. É um B to B; não um B to C. Não ouviu o chairman? É o nosso core business. Tem de experimentar o coaching. Falta-nos mentoring. Trabalha em cowork. Conseguiu com crowdfunding. Mas não se esqueça do deadline. Recebeu o forward? Agora, faça o follow-up. Dê-nos feedback. E cuidado com o gap.

É uma questão de know-how. A ninguém já interessam qualidades, capacidades ou atributos; somente as skills. Não há fundadores nem criadores; há founders. Já não se conhece pessoas; faz-se networking. Ninguém abre uma pastelaria; tem uma startup. E há o pitch, os players, o spin, o spin-off, os stakeholders, o take off e o set up. O importante é rodear-se dum staff multitasked que entenda as trends, mas pense out of the box. E escolher bem o timing na hora do kickoff.

Confesse lá. Quantos destes termos não percebeu realmente? Quantos não usou na última semana, para não dizer hoje mesmo?

E o pior é o desgaste. O stress. Sim, sim, vimos o que fizemos aqui: o stress. Até isso. Em inglês. Poderia ser outra língua, poderia ser outra filosofia. Pense no francês. Lembra-se de quando era o francês o grande influenciador – influencer? – da língua e cultura pátrias? Ó saudade. O bâton, o parfum, a patisserie, o chauffer, o coiffeur, o robe de chambre, a lingerie, o soutien, o boudoir, a boîte, a bohème – as coisas realmente importantes da vida. A chaîse longue, Jesus Cristo, a chaîse longue! A delicadeza, a classe, a preguiça, a demora, a textura de cada palavra destas… Quão longe estávamos do frenesim ruidoso e áspero do think tank e das conference calls, das talks, do downsizing, das key words e dos highlights. Que se passa com essa gente que desce uma rua nas Olaias como se desfilasse para fora dum filme em Wall Street? Ao diabo o corporate e as commodities. Até para descansar é preciso comprar o pack e ir em jeans e t-shirt para o resort, mais o trolley, o tablet, os phones e o streaming.

Está tudo perdido? Claro que está. Estamos on the same page. Diz o report. Precisamos de team building. Tudo ASAP. E até quando rebentamos, já não temos esgotamentos; temos burnouts.

E os trainees, as brands, os accounts e os assets. O cash-flow, a mailing list, o background, o merchandising e o mainstream. Ide à meretriz que vos pôs no mundo, hypes, bits, beats, spots e hipsters, blogs, posts, comments, shares, views, hits e likes. O sentido da vida é agora contabilizável, FYI – For your Information – possivelmente em KPIs – key performance indicators (in case youdon’t know). Soft sponsoring, product placement e hard sell, vão ler Eça e encher-se do que de mais haja na choldra.

Mando o layout assim que tiver os teus inputs. Seguindo as guidelines internacionais e os insights locais. Tudo premium, evidentemente. A guita segue em attachment, como vi no showroom, diz o slogan, e o claim, no outdoor, online e offline, se não for para o spam, como aprendemos no workshop. O approach foi acordado com o departamento de research e tem em conta o pipeline e o workflow. Tudo para o melhor outcome.”

Autor desconhecido

quarta-feira, 10 de março de 2021

Almoços de Curso

 Faz hoje precisamente um ano que se efectuou o nosso último almoço de curso.

Ainda compareceram 7 OCeanos, o que revelou já algum receio do nosso "amigo" e malfadado 19, que tinha feito a sua aparição em Portugal uns dias antes.

No anterior almoço, em 11 de Fevereiro, na Casa do Alentejo, haviam comparecido 19.

Esperemos que não passe outro ano para nos encontrarmos novamente, o que certamente todos desejam que aconteça, ansiosa mas responsavelmente.

Até agora, felizmente e que se saiba, nenhum OCeano ou seu familiar próximo foi apanhado por aquele malvado, o que revela sem dúvida um civismo que todos deveriam seguir no que respeita aos cuidados sanitários definidos e insistentemente relembrados pelas autoridades sanitárias.

Vão dando notícias, aproveitando este correio comum que é o "Água aberta".

Um grande abraço de todos para todos.

terça-feira, 9 de março de 2021

Um livro improvável, num local improvável

 Quando o DFE8 e o DFE 21 se encontravam em Gampará, a sua principal missão era a realização, dia sim dia não,  de uma operação de patrulhamento na região onde se iria construir o reordenamento de Ganjauara com o objectivo de manter longe do acantonamento das nossas tropas, os guerrilheiros do PAIGC que se encontravam concentrados a sul da península, do outro lado do rio Pedra Agulha, e de controlar alguns núcleos da população que se mantinham dispersos, procurando sobreviver próximos das suas antigas tabancas que tinham sido destruídas na ocupação inicial.

Como os guerrilheiros do PAIGC também passavam para Norte do rio Pedra Agulha para efectuarem os seus patrulhamentos, montarem emboscadas nos nossos percursos e por vezes atacarem o nosso acantonamento, estas operações, apesar de se terem tornado rotineiras, obrigavam, no entanto, a um constante estado de alerta e um cuidado extremo na escolha dos percursos, não repetindo itinerários e andando sempre a corta-mato com a finalidade de evitar não só emboscadas, como minas colocadas nos trilhos. Como, para além disso, o capim estava queimado em quase todo o lado e os percursos eram normalmente longos, as operações eram muito cansativas, demoradas e provocavam dificuldades respiratórias em muitos homens pelo pó de terra queimada que pairava no ar ou que se levantava pela nossa movimentação. Aliás, foi num cruzamento destes trilhos, que nós bem conhecíamos e sempre contornamos, que morreram por rebentamento de minas, uns dias depois de abandonarmos Gampará, alguns paraquedistas, durante a operação conjunta PATO AZUL A, na região do Quinara, em que participaram os DFE 8, DFE 21 e a Companhia de Paraquedistas que nos tinha rendido. Nessa operação, os paraquedistas partiram de Gampará e nós saímos de Fulacunda reembarcando no rio Geba.

Numa dessas operações de rotina, o objectivo era vistoriar a tabanca de Tumaná, que se localizava a sul da península e fora atacada e destruída logo nos primeiros dias da ocupação. Há já bastante tempo que lá não se ia e havia informações recentes da presença de população e guerrilheiros. Uns dias antes, um avião de reconhecimento tinha avistado sinais de trabalhos agrícolas nas proximidades. Ao estudar a carta verificamos que aquela região era um pouco mais acidentada do que o restante território, com algumas pequenas elevações nas proximidades da tabanca que poderiam ser bons locais para observar a nossa progressão e montar emboscadas. Por isso, partimos pouco depois do jantar e fizemos uma progressão muito desviada de modo a abordar Tumaná vindos de Sul, aproveitando essas elevações e não por Norte, como seria previsível por alguém que esperasse uma incursão nossa na região. Chegamos próximo de Tumaná ainda a noite estava bastante escura e procuramos o cimo de uma pequena elevação para esperar os primeiros alvores. Quando já estávamos estacionados, um cão começou a ladrar lá em baixo, pelo que, embora ainda com pouca visibilidade encaminhamo-nos imediatamente em direcção à tabanca. Avançamos procurando manter o maior silêncio possível, mas quando estávamos relativamente perto foram dados alguns tiros de aviso. Aceleramos a marcha e pouco depois penetramos no interior da tabanca que já encontramos completamente abandonada. Enquanto o primeiro grupo de combate a atravessava rapidamente na direcção em que supostamente teriam seguido os fugitivos, o outro grupo fez uma rápida vistoria, em que se verificou que, apesar de destruída e queimada, havia muitos vestígios recentes de estar a ser utilizada. Terminada a revista saímos do interior da tabanca que, pouco depois, era alvo de uma salva de morteiro.

Reunido o Destacamento, tomamos o caminho de volta seguindo pela orla da mata que circundava as antigas terras de cultivo, onde os vestígios de trabalhos recentes eram bem visíveis. Após alguns quilómetros de marcha fizemos uma pausa para descansar num local que pareceu seguro e com boas sombras. Tinha acabado de me encostar a uma árvore e preparava o tabaco e o cachimbo para uma já tardia e desejada cachimbada, quando um marinheiro se aproxima e me entrega um livro que tinha encontrado numa das casas que revistara dizendo: “Oh Comandante! encontrei este livro estrangeiro!”. A minha surpresa foi enorme quando me deparei com uma edição do livro “Le Matérialisme Dialetique” de Henri Lefevre, exactamente a mesma edição que eu tinha comigo e que me fora comprada, em França, por um camarada que estava na missão para a construção das Fragatas classe João Belo.

Abri-o e, logo na primeira página, vejo uma assinatura. Depois, ao folheá-lo encontro no meio do livro, uma fotografia de uma mulher, nova, olhos expressivos e esboçando um ligeiro sorriso. No verso da fotografia, para além do mesmo nome e uma data, via-se ainda um carimbo da uma casa fotográfica de Praga.

O livro fora bastante usado e trabalhado, tinha frases sublinhadas, parágrafos assinalados com um traço vertical na margem e algumas setas e pontos de interrogação apontando para partes do texto. Uma ou outra página tinha anotações escritas em português. A leitora utilizava um lápis preto, sempre bem afiado.

Enquanto saboreava o fumo do cachimbo fui folheando, aleatoriamente, o livro fixando-me nos sublinhados e anotações da leitora. Progressivamente as frases sublinhadas, os parágrafos assinalados e as anotações foram-me despertando a curiosidade. Um livro em que o leitor assinala factos, ideias e anota as suas críticas revela muito do que pensa e sente esse leitor e foi o que quase inconscientemente eu me pus a fazer naquele lugar perdido nas matas da Guine, a tentar penetrar no pensamento e nos sentimentos daquela leitora.

Senti, nessa ocasião, uma espécie de sentimento de solidariedade por alguém, que combatia do outro lado, mas com quem possivelmente partilharia alguns pensamentos e sonhos de um mundo mais justo, mais livre, mais igual e solidário. Hoje, quando esses sonhos, os dela e meus, se encontram nos nossos países e no mundo, em grande parte frustrados e traídos, volto a sentir a saudade e a nostalgia daqueles anos, em que eramos jovens e idealistas e em que, apesar da guerra, acreditava que viríamos a viver num tempo e num mundo melhores.

Perdi um pouco a noção do tempo. Enchi novamente de tabaco o cachimbo e continuei a procurar e tentar perceber os sublinhados do livro e penetrar no pensamento da leitora.

Ao fim de algum tempo, o Destacamento acabara por assumir o hábito de que as pausas que fazíamos correspondiam, mais ou menos, ao tempo de uma cachimbada. É o oficial, comandante do grupo de combate que seguia na frente que, apercebendo-se que a pausa estava a ser mais longa do que o costume, me pergunta por rádio se seguimos caminho, ou montamos uma emboscada naquela posição. Terminamos a pausa e caminhamos de regresso a Ganjauara.

Uns dias mais tarde, vim a saber que a dona do livro era, provavelmente, a comissária política responsável pela organização das mulheres naquela região.

Guardei o livro e a fotografia no quarto que tinha atribuído nas Instalações Navais de Bissau, juntamente com alguns objectos que ia recolhendo nas operações ou comprando nas localidades por onde ia passando, a que atribuía alguma qualidade artística ou valor histórico. Quando regressei a Bissau, poucos dias antes do fim da comissão, deparei-me com o meu quarto devassado e quase vazio.  Alguém tinha conseguido entrar e retirar tudo aquilo que lá guardava, incluindo mesmo alguma roupa civil e militar. 

Regressei a Lisboa, depois de 21 meses na Guiné, com algumas fardas, alguma roupa civil e algum artesanato e peças de panos africanos que à última hora fui comprar nas lojas locais para oferecer à minha mulher. Mas restaram muitas memórias e, bem inscrita, a de uma mulher, cujo nome esqueci, que combatia do outro lado e que andava a ler um livro que também fez parte das minhas leituras.

COMANDANTE COSTA CATALÃO

 É hoje o aniversário (nasceu em 9 de Março de 1933) do Comandante Costa Catalão. Ingressou como Instrutor de Artilharia ao mesmo tempo que nós nos tornamos OCeanos. Mantinha com o OC um diálogo franco quer durante as aulas quer nos outros momentos. Depois acompanhou-nos na Sagres em 1964. Não podemos esquecer quando a equipa de natação treinava na piscina do Savoy, era ele o nosso treinador, acompanhando sempre a nossa equipa. E as mordomias que lhe arranjaram ele também as impôs para os OCeanos. Durante toda a nossa vida escolar tivemos nele um Camarada mais antigo. Um muito obrigado.

Que tenha um dia muito feliz e que o possa repetir por muitas vezes com saúde e boa disposição. Um grande Abraço.

segunda-feira, 8 de março de 2021

BRASIL

A 8 de Março de 1808 desembarca D. João VI e a família real no Rio de Janeiro depois de uma escala em S. Salvador da Baía, vindos de Lisboa devido às invasões francêsas.

domingo, 7 de março de 2021

NOVOS NAVIOS

 A 7 de Março de 1935 chegam a Lisboa, vindos de Inglaterra onde foram construídos, o Aviso de 1/a classe Afonso de Albuquerque e o submersível Espadarte.

OCEANOS

 Hoje celebra os seus 77 anos o OCeano Nuno Barbosa. Desde cedo habituado às lides militares teve um percurso exemplar na Marinha. Nessa altura o seu hobby era o desenho e a pintura. Durante a nossa viagem na Sagres fez incríveis desenhos em guardanapos de papel, mas que se perderam. É da sua autoria o desenho da medalha comemorativa do nosso curso. Agora estretem-se na pintura com belos quadros náuticos onde alia a sua arte aos conhecimentos náuticos.

Que tenhas um óptimo dia de aniversário, apesar do confinamento, junto com os teus e que o repitas por muitas vezes com saúde e boa disposição.

Um grande Abraço.

sexta-feira, 5 de março de 2021

CORTINA DE FERRO

 Fazem hoje 75 anos que foi utilizada pela primeira vez a designação “Cortina de Ferro”. Foi Winston Churchill que a utilizou quando discursava na Universidade de Westminster em Fulton, Missouri, USA.

quinta-feira, 4 de março de 2021

A relatividade da vida.

Tive hoje uma conversa com uma rapariga que conheci em Bissau em 2018 quando lá estive de visita. Fiquei com o resto do dia cheio. A vida é realmente uma coisa muito forte.




segunda-feira, 1 de março de 2021

RIO DE JANEIRO

A 1 de Março de 1565, Estácio de Sá funda uma povoação a que dá o nome de “Rio de Janeiro”.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

BAPTISTA D’ANDRADE

A 28 de Fevereiro de 1853, Baptista d’Andrade, Cte. do brigue Coimbra, impõe o reembarque de uma força da marinha inglesa em Ambris.

E venha um Imediato com relógio

 

 

O Destacamento era ainda relativamente periquito na Guiné. Estávamos em Ganturé, na margem Norte do rio Cacheu, e realizávamos operações em que desembarcávamos e reembarcávamos nas margens desse rio ou dos seus afluentes. Por norma, os desembarques efectuavam-se de noite e numa zona de tarrafo denso (a designação correcta, de acordo com o dicionário, é tarrafe). O Imediato do destacamento era um jovem e destemido oficial a quem competia, sempre que o seu grupo de combate seguia à frente, abrir o caminho. Era por isso normal que muitas vezes experimentasse dificuldades e ficasse preso no intrincado das raízes, troncos e ramos do tarrafo.

Num desses desembarques, deixou que o seu relógio Aquastar, que a Marinha distribuía aos oficiais fuzileiros, ficasse preso num ramo, partisse a correia e se perdesse no lodo. Redigida a respectiva ocorrência, esta mereceu um lacónico despacho de "Abata-se" que, como era do normativo, foi comunicado ao Comando da Defesa Marítima que o homologou com um também lacónico “Concordo”. Ora aconteceu que, duas ou três operações depois, ocorreu o mesmo incidente, o Imediato perdeu o novo relógio que lhe tinha sido atribuído. Nova redacção de ocorrência, de novo o lacónico despacho: "Abata-se", nova nota a comunicar o ocorrido e a solicitar a concordância com o respectivo abate.

Só que, desta vez, o despacho não só não foi homologado como em resposta recebemos uma nota assinada pelo do 2º Comandante da Defesa Marítima, que realçava o facto de o relógio ser um objecto da fazenda pública, merecedor de cuidados especiais, que a perda de dois relógios num tão curto período e pelo mesmo oficial revelava pouco cuidado e mesmo algum desleixo, pelo que devia justificar com maior detalhe o seu abate ao inventário.

Comecei a andar a matutar na forma de responder ao que me era pedido. Apesar de estar há poucos meses na Guiné, andava já às turras com a burocracia de Bissau e a sua dificuldade em compreender que os Destacamentos de Fuzileiros não tinham orgânica e estrutura com a mesma capacidade para responder às exigências administrativas e burocráticas dos outros tipos de unidades navais ou mesmo de uma Companhia de Fuzileiros. Os Destacamentos eram constituídos simplesmente por 80 combatentes. Todas as respostas administrativas e burocráticas que íamos encontrando para as situações que enfrentávamos eram improvisadas e de puro desenrascanço naval.

Ao fim de algum tempo de maturação redigi uma nota justificativa em que procurava passar, com uma pequena ponta de azia humorada à mistura, o que faziam os destacamentos e como os materiais se podiam extraviar. Guardei uma cópia entre os papéis que trouxe comigo da Guiné. Alguns anos depois, um camarada e amigo que a tinha lido em Bissau quando estava a prestar serviço no Comando da Defesa Marítima da Guiné e por várias vezes a comentara comigo, pediu-me insistentemente para a encontrar. Encontrei-a e emprestei-lha para tirar uma cópia, mas como ele estava em serviço fora de Lisboa não ma devolveu imediatamente. Eu esqueci-me, ele possivelmente também a foi guardando entre os seus papéis. Despediu-se inesperadamente da vida fora de tempo, eu perdi um amigo e a nota também desapareceu. Mas vou tentar reproduzi-la, porque de tantas vezes falar nela guardei-lhe os traços principais.

Começava com uma introdução que pretendia didáctica:

 

"O tarrafo ou tarrafe é uma vegetação do tipo arbustífero (Rhizophora racemosa) da família das Rizoforáceas, que se encontra nas zonas lodosas das orlas de marés nas margens de rios da Guiné. No rio Cacheu e seus afluentes as duas margens estão quase completamente cobertas por estes arbustos que formam uma mata por vezes muito densa, atingindo alturas consideráveis. Em alguns locais esta densa cobertura vegetal de tarrafo é interrompida por clareiras nas quais só há capim e pouca vegetação dispersa.

Embora estas clareiras possam parecer os locais mais fáceis para os desembarques dos fuzileiros quando são lançados em operações nas margens do rio Cacheu ou dos seus afluentes, não são por norma utilizadas porque podem estar minadas pelo inimigo. Pode também acontecer terem sido minadas pelas nossas forças, para impedirem a passagem do inimigo para o interior do território da Guiné e, mesmo quando os campos de minas são levantados, sabemos que podem lá ficar algumas por se terem movimentado com as marés, ou ficarem perdidas ou mesmo esquecidas. E, por vezes também se ouvem rumores da existência, por estes lados, de campos de minas não assinalados.

Por estas razões os Destacamentos escolhem para desembarcar zonas de tarrafo denso. Os desembarques ocorrem quase sempre durante a noite e de preferência em noites sem lua e o mais escuras possível. Desta forma o desembarque de um Destacamento constitui um enorme desafio físico para os homens que se têm de deslocar no lodo por entre um emaranhado de raízes, troncos e ramos, tendo quase sempre de subir pelas árvores até alturas consideráveis. Nesta progressão, que seria um enorme desafio mesmo para qualquer ginasta olímpico, os fuzileiros ficam constantemente presos nos ramos e caem de grandes alturas embatendo várias vezes na ramagem antes de aterrarem no lodo. Quando chegam ao lodo, depois de uma queda forçada e muito sacudida, para além de serem imediatamente atacados por enormes formigas que lhe sobem pelas pernas e se vão acolher junto da carne tenra dos órgãos sexuais, região do corpo humano porque parecem nutrir uma especial apetência e onde se fixam com as suas fortes presas, constatam que perderam a boina, a espingarda, o cinturão com as cartucheiras, a faca, o cantil e o próprio relógio que, por ficarem presas num qualquer ramo, se soltaram ou partiram. Destes objectos a espingarda e o cinturão com os seus acessórios acabam, com maior ou menor esforço, por ser quase sempre encontrados, tanto mais que são ferramentas indispensáveis para a continuação da operação. A boina, também é muitas vezes recuperada porque costuma ficar pendurada num ramo. Já o relógio, quando a correia se parte, afunda-se irremediavelmente no lodo. Em resumo, de todo o material que um fuzileiro transporta nas operações só o fato camuflado e as botas não correm o risco de se perderam porque estão bem presas ao corpo usador.

Na operação "Carapau", a que se refere a ocorrência em questão, o Destacamento desembarcou, noite cerrada, num local que se revelou ser muito denso e de difícil progressão, tendo sido necessárias cerca de três horas para todos os homens se desembaraçarem do tarrafo, atravessarem a bolanha e chegarem à orla da mata.

O oficial Imediato, portador do relógio, objecto da proposta de abate, comandava o primeiro grupo de combate, sendo o segundo homem e muitas vezes o primeiro na coluna a abrir caminho, correndo muito mais riscos de quedas e acidentes do que os que lhe seguiam as passadas. Foi o que aconteceu numa das muitas quedas que sofreu, quando a pulseira do relógio se prendeu num ramo, se partiu e o relógio caiu no lodo e desapareceu.

Em face do exposto, solicito o abate do relógio referido na ocorrência."

 

A nota foi expedida e a resposta demorou mais tempo do que o normal. Finalmente recebemos uma nota com o despacho do 2ª comandante: "Abata-se. Não se distribua mais nenhum relógio ao oficial referido na ocorrência".

 

Deixo à imaginação de cada um, os comentários, a animação e o riso que este despacho proporcionou à dezena de oficiais da Marinha e do Exército que se encontravam por aquelas paragens. Se, até à chegada do despacho, a questão era só do meu conhecimento e do Imediato, a partir daqui toda a troca correspondência passou a ser o facto do dia nas messes da BAPATGANTURÉ, na câmara da LFG atracada na ponte-cais e passou muito rapidamente para o pessoal do COP3 e da Companhia do Exército sedeados em Bigene.

 

Para mim, a questão que se me colocava era a de saber como é que o imediato ia cumprir as suas funções sem relógio. E para mais, temia que ele viesse também a perder o seu muito estimado ROLEX, oferecido muito carinhosamente pela sua mulher alguns dias antes da partida para a Guiné e que vinha a usar nas últimas operações. Depois de alguma ponderação, pedi para me trazerem o bloco de mensagens e redigi uma mensagem para o Comando da Defesa Marítima da Guiné nestes termos:

 

"SEU (número e data da nota do despacho do 2ª COM). ACTIVIDADE OPERACIONAL DESTACAMENTO EXIGE OFICIAIS TENHAM ACESSO PERMANENTE A HORA LOCAL. MOTIVOS OPERACIONAIS SOLICITO ENVIO IMEDIATO UM IMEDIATO COM RELÓGIO".

 

PS – O Imediato não voltou a perder mais nenhum relógio. Confessou-me, muitos anos depois, que à cautela mandava sempre os seus camuflados a um alfaiate para lhe fazer um bolso com fecho éclair na parte interior do casaco e que, antes dos desembarques, guardava lá o relógio só o voltando a pôr no pulso quando chegávamos à mata.