terça-feira, 2 de março de 2010

O DFE 12, a Marinha e os fuzileiros na Guiné

O Barbosa no seu post sobre o artigo referente ao DFE 12 sugere que eu esclareça. O Encarnação Gomes também enviou uma mensagem com alguns comentários. Não sei o que possa esclarecer, mas aqui vão algumas dicas.

Cheguei à Guine em Julho de 1971 e o DFE 12 foi o primeiro destacamento com que contactei. Foi com ele que fui que fui ao "mato" pela primeira vez integrado como observador. Nessa operação não tivemos contactos de fogo mas fiquei com uma boa impressão sobre a forma como o DFE 12 se deslocava no mato e da qualidade dos seus oficiais. Vivi num reembarque do DFE 12 em botes, num afluente do rio Cacheu, o primeiro ataque de abelhas e experimentei os seus efeitos devastadores. Foi também um grupo de combate do DFE 12, comandado pelo tenente Lobato, que nos ia recolher em botes, que acabou por saltar em terra e proteger o nosso reembarque numa situação complicada depois de uma operação na margem sul do Cacheu. Tenho uma opinião francamente positiva do tenente Lobato, com base na convivência de alguns meses, quer como oficial miliciano quer como combatente.
Em relação às operações referidas no artigo e aos seus resultados julgo que a melhor forma de validar a informação será recorrer aos relatórios que devem andar perdidos por algum arquivo. No entanto, tanto quanto a minha memória recorda, a maior parte delas foram objecto de conversa recorrente nas messes dos aquartelamentos, câmaras dos patrulhas e nos encontros esporádicos quando nos deslocávamos a Bissau.
A descrição dos episódios e peripécias dos combates é sempre filtrada pela subjectividade do narrador pelo que corresponde sempre a uma vivência pessoal e intransmissível. Estou por demais habituado a descrições "mais ou menos épicas" de episódios de guerra e tenho-as por isso como naturais para quem as viveu efectivamente.
Todos nós, nos navios ou em terra, fizemos e vivemos uma parte importante da história do nosso país no período em que decorreu a guerra colonial. Por muito que as nossas visões sejam limitadas ou mesmo distorcidas considero que temos o direito e o dever e que será útil para a reconstituição desses tempos, o testemunho das nossas experiências. Nesse sentido penso que o artigo do tenente Lobato, com todas as limitações que lhe apontemos, é corajoso e oportuno podendo desencadear um processo de discussão capaz de nos levar a uma reavaliação crítica e não institucional da actuação da Marinha e dos seus Fuzileiros na Guiné.
Quando cheguei à Guiné o comando operacional dos destacamentos estava já atribuído ao Exército. Tirando duas ou três situações em que através de um diálogo franco com o comandante operacional, o empenhamento operacional do DFE 8 foi orientado de forma a tirar o maior partido das suas características e potencialidades, em todas as outras situações, os majores, tenentes-coronéis e coronéis que me comandaram não conseguiram distinguir um destacamento de fuzileiros de um companhia do exército e empenharam, de uma forma geral, o destacamento casuisticamente, sem objectivos e planos a curto ou médio prazo e/ou para florear as estatísticas do seu Comando Operacional e/ou as suas próprias estatísticas pessoais com vista àquilo a que, no artigo em questão, se designa por "honrarias de combatente".
Por seu lado, a Marinha que detinha o comando administrativo, também com algumas raras excepções, via os destacamentos como um encargo que só dava "chatices", sem colher qualquer louro dos seus sucessos que revertiam naturalmente para os comandos operacionais do Exército.
O Encarnação Gomes refere que na Marinha não havia oficiais superiores com capacidade para comandar operacionalmemnte os fuzileiros. Concordo com ele. Para a operação "de castigo" a que se refere o Serafim Lobato inicialmente aventou-se a hipótese dela ser comandada por um oficial superior da Marinha. Coloquei imediatamente reticências a essa possibilidade e até indiquei como alternativa um camarada primeiro-tenente ex-fuzileiro para essa função (naturalmente esta solução não foi aceite). O comando da operação acabou por ser atribuído (felizmente) ao Batalhão de Paraquedistas.
Vivi quase toda a minha comissão na Guiné no mato com uma ou outra incursão esporádica e muito curta a Bissau. Não tenho por isso conhecimento da "intriga" político militar dos Estados-Maiores e das messes de Bissau.
Era evidente que o general Spínola não gostava da Marinha e dos fuzileiros em particular, mas também era evidente a incapacidade do Comando da Marinha em dar uma resposta efectiva a essa situação. Pessoalmente não tenho uma opinião muito favorável quanto a forma como o general conduziu alguns dos aspectos da guerra e da política na Guiné, mas também penso que dadas as circunstâncias que se viviam não tinha grandes alternativas de procurar outras soluções.
Este post já vai longo. Vou tentar reconstituir as circunstâncias e pormenores relacionadas com a operação "Onça A" a que se refere o artigo do tente Lobato.

1 comentário:

O J.N.Barbosa disse...

Obrigado pelo contributo. Só te citei por causa da carta que aparece no artigo, que te é dirigida pelo Moura da Fonseca. Poderás esclarecer?